Abandono, internações e esquizofrenia: como era a vida do jovem morto por leoa em João Pessoa

O que se sabe sobre o caso do homem que entrou na jaula de uma leoa em João Pessoa Gerson de Melo Machado, de 19 anos, que morreu no domingo (30) após invadir...

Abandono, internações e esquizofrenia: como era a vida do jovem morto por leoa em João Pessoa
Abandono, internações e esquizofrenia: como era a vida do jovem morto por leoa em João Pessoa (Foto: Reprodução)

O que se sabe sobre o caso do homem que entrou na jaula de uma leoa em João Pessoa Gerson de Melo Machado, de 19 anos, que morreu no domingo (30) após invadir o recinto de uma leoa e ser atacado por ela no Parque Arruda Câmara, a Bica, em João Pessoa, tinha esquizofrenia e não recebia acompanhamento psicológico contínuo. O jovem já havia sido internado em um complexo psiquiátrico e acumulava passagens pelo sistema prisional. Gerson também tinha uma família com histórico de transtornos psicológicos e viveu em instituições de acolhimento até completar a maioridade. “Depois que ele fez 18 anos, ele foi entregue à própria sorte. Saiu do acolhimento institucional e entrou no sistema prisional”, disse a conselheira tutelar Verônica Oliveira. A mãe do jovem foi destituída do poder familiar por ter esquizofrenia, e o pai é ausente. As avós também têm transtornos mentais, e outros quatro irmãos do jovem foram adotados. Gerson nunca foi acolhido por pais adotivos. LEIA TAMBÉM: Quem era o jovem que morreu após entrar na área de leoa em zoológico de João Pessoa Zoológico de João Pessoa não tem previsão de reabertura após jovem morrer em recinto de leoa Morte de homem que entrou em jaula de leoa em João Pessoa repercute na imprensa internacional Homem que morreu após entrar em recinto de leoa em João Pessoa Reprodução/TV Cabo Branco Aos 10 anos, Gerson foi levado para o Conselho Tutelar de Mangabeira, na zona sul da capital paraibana, pela Polícia Rodoviária Federal por estar vagando sozinho em uma rodovia. Segundo a conselheira tutelar Verônica Oliveira, ele procurava pela mãe. “Ele disse à polícia que tinha fugido de casa, que queria voltar para a casa da mãe porque estava com medo e que ela morava em Mangabeira. Fomos até a casa e, para nossa surpresa, quando entramos, a mãe disse: ‘Menino, você não pode ficar aqui. Eu não sou mais sua mãe. O juiz disse que eu não sou mais sua mãe; você vai ter que ir com a moça’”, relembra a conselheira. Gerson morava com a avó no bairro de Mangabeira, na zona sul da capital paraibana. Ainda de acordo com a família, a avó era uma das pessoas mais abaladas durante o velório, que ocorreu nesta segunda-feira (1º). Enterrado jovem morto após invadir recinto da leoa Jovem não tinha tratamento psicológico contínuo Sobre tratamentos, a prima do jovem Ícara Menezes disse que ele nunca teve apoio contínuo de acompanhamento psicológico. Ela argumentou que a responsabilidade era principalmente dos órgãos competentes e que a família fez o que poderia ter sido feito. “A família não abandonou, só que uma pessoa neurodivergente, já grande, 16 passagens pela polícia, nunca teve tratamento. O apoio que teve foi uma assistente social e o diretor do presídio (...). Então, a gente não podia fazer muita coisa; quem poderia fazer era o poder público. Como família, a gente fez o que pôde, mas segurar uma pessoa assim dentro de casa o tempo todo… todo mundo que tem uma pessoa neurodivergente dentro de casa sabe como é”, disse. Ícara também ressaltou que, devido aos transtornos mentais, ele só se aproximava dos familiares de tempos em tempos, não mantendo relação constante. Ela explicou que ele procurava principalmente a mãe, que também tem transtornos mentais. A conselheira tutelar Verônica Oliveira conhecia Gerson há nove anos Arquivo pessoal Justiça determinou internação Homem é morto por leoa após entrar em jaula em zoológico de João Pessoa No dia 30 de outubro, a Justiça determinou que Gerson fosse internado em uma instituição de longa permanência por conta dos transtornos psicológicos. Na decisão à qual o g1 teve acesso, do juiz Rodrigo Marques de Silva Lima, o jovem foi considerado inimputável por ter esquizofrenia. Pela gravidade de seu caso, a decisão diz que o tratamento ambulatorial era insuficiente, sendo necessária uma internação. “O tratamento ambulatorial seria insuficiente para conter o ímpeto perigoso do réu e para garantir a eficácia do tratamento psiquiátrico inicial. A internação, em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), é a medida mais adequada para resguardar a ordem pública e, principalmente, assegurar a Gerson de Melo Machado o tratamento.” A juíza Conceição Marsicano informou à TV Cabo Branco que também solicitou o acompanhamento especializado de Gerson. “Ele foi encaminhado para o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), porque ele tem atestado, ele tem laudo nesse sentido. As condições, qual o procedimento que se dá lá, aí fica por conta do órgão técnico, que é quem fiscaliza tudo e aí teria obrigação de acompanhar, não só acompanhar, penso que iria além”, explicou a juíza. Diretora do Caps afirma que jovem não aceitava internação Segundo informações repassadas à TV Cabo Branco, a Justiça determinou mais de uma vez a internação de Gerson. Janaína D’Emery, diretora do Caps Caminhar, onde o jovem era atendido, explicou que os Caps não oferecem moradia, mas que existem outras modalidades de atendimento que permitem aos pacientes ficarem no local durante as crises. “O Caps é um dos dispositivos para tratamento, não é de moradia. A gente tem a atenção-dia: ou ele vem nas segundas e nas terças, ou ele vem só uma vez na semana. Ele não queria, de hipótese alguma, ficar no 24 horas, e aí ofertamos o intensivo, de segunda a segunda. Isso também inclui o sábado e o domingo, para ele vir, participar das atividades e sair também depois da última medicação”, disse a diretora do Caps Caminhar. A conselheira tutelar Verônica Oliveira disse que o jovem já havia sido internado no Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira. “Ele preferia o Juliano Moreira ao acolhimento institucional, que é um local que ele entra e sai. No Juliano ele não tinha liberdade, mas ele preferia. Quando eu perguntava pra ele por que ele preferia, ele dizia: ‘Lá eles cuidam de mim, dão o meu remédio e eu me sinto bem’”, afirmou. A diretora do Centros de Atenção Psicossocial Caminhar, Janaina D'Emery, diz que Gerson foi acompanhado desde a infância Reprodução Gerson acumulou passagens pelo sistema prisional A conselheira tutelar Verônica Oliveira, que acompanhou Gerson, afirmou que o jovem não tinha noção do perigo e que, muitas vezes, era usado por outras pessoas para cometer pequenos delitos. Ele tinha diversas passagens pela polícia; a última foi há uma semana, quando ele atirou uma pedra em uma viatura da Polícia Militar. A prima afirma que Gerson enxergava o Presídio Desembargador Flóscolo da Nóbrega, conhecido como Presídio do Roger, em João Pessoa, como um lugar em que seria acolhido. “Das vezes que ele foi preso, a maioria era por jogar uma pedra na viatura, porque ele queria se sentir seguro. Muitas vezes ele falava: ‘Se eu tiver preso, as pessoas na rua não vão dar em mim, porque eu peguei tal coisa em troca do almoço e fulano deu em mim’. Ele sempre tinha medo de as pessoas baterem nele. Tiraram ele como uma pessoa agressiva, e ele não era. Uma pessoa marginal ele não era. Era um menino neurodivergente que tinha mentalidade de 4 anos”, ressaltou. INFOGRÁFICO: Homem é morto por leoa em zoológico da Paraíba Fonte: Arte/g1 Vídeos mais assistidos do g1 Paraíba